terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Pétalas Enviesadas




Minhas pétalas enviesadas
são olhadas de soslaio
na rua das primaveras
no balcão do botequim

e o meu sangue é só por mim
meu suor de orvalho
vicejantes os colibris
embebendo-se no meu caule

e quando chove à estação
é porque já é verão
é porque me recolho à semente
pra semear o novo de mim...

Jonas R. Sanches
Imagem: Marcel Caram

Versos Entardecidos de Novembro




Nas cores do pôr do sol
melindres de nostalgia
derradeiro à luz do dia
nas margens do Rio Xingú;

nas cores cobrindo o céu
os pássaros pintalgados
nas copas dos arvoredos
trinados contam segredos;

nas águas a mansidão
entrecortada pela canoa
a noite deitando à proa
beijando o lindo luar;

nas estrelas um novo verso
cantado feito seresta
na viola canção transversa
de um poeta que é trovador...

Jonas R. Sanches
Imagem: Salvador Dalí

Foz do Coração




Minha foz deságua
n’outras cachoeiras
águas derradeiras
chuva de paixão;

e o rio que passa
carrega a saudade
vinda d’outra idade
talvez do coração;

e a velha poesia
fez-se em melodia
ao raiar do dia
nas vozes do sertão...

Jonas R. Sanches
Imagem: Cícero Brito

Contemplando o Fim do Dia às Margens da Saudade




Deitei o tempo ao horizonte
entre minhas cores e de outrem
o meu olhar buscou além
das margens rasas dos meus olhos

e, foi saudade pitoresca
à contemplar a flor azul
que com o vento foi trazida
levada às bandas lá do sul

e, foi momento em nostalgia
à contemplar o fim do dia
enquanto o peito em rebento
marcava o som da melodia...

Jonas R. Sanches
Imagem: Vladimir Kush

Analgesias Transcendentais




Se a dor me irrita
eu tomo uma birita
mas, se vem à tona
eu tomo dipirona
mas, se estiver ameno
eu tomo ibuprofeno
mas, se ela em mim reside
eu tomo profenid
e daí eu fico mal
e encho a cara de tramal
e isso até me anima
então eu tomo codeína
e olho o pôr do sol
com uma caixa de paracetamol
mas, ela não sai de mim
então apelo ao vicodin
e quando ela se torna minha sina
vai uma ampola de morfina
e mesmo assim me falta sorte
então bebo um cálice de morte.

Jonas R. Sanches
Imagem: Jecek Yerka

Nosso Alvorecer de Domingo




Alvoreceu e você
aqui deitada ao meu lado
os nossos corpos entrelaçados
o nosso amor sem igual
e apesar dessas dores
nos entregamos ao riso
pois ele sempre é preciso
para continuarmos
trilhando esse caminho
que tem até curva reta
que tem até reta torta
mas com você não importa
só quero continuar
esse caminho trilhar
essa sua boca beijar
e sentir sua alma em mim.

Jonas R. Sanches
Imagem: Vladimir Kush

Natal




Hoje é o dia do nascimento
da vida e da morte
da verdade e da mentira
da religião que dá e que tira
e se esquece do próprio fundamento
que é a ausência do lamento
que é a escassez da fome
que é conjurar o próprio nome
em Budha, em Krishina, em Cristo;
mas pelo que tenho visto
ainda existem dogmas
que impedem as almas
de se reencontrarem com o próprio ser...

Jonas R. Sanches

Sobre Relâmpagos, Ampulhetas e Curupiras




Grãos de vida escorrendo ampulhetas
desgastadas nos sóis d’outras galáxias
e um colibri de asas siderais voa domingos
pelas plúmbeas nuvens e trovoadas
no seio vermelho de um relampejar
que corisca nas páginas de um velho livro
contando histórias e parlendas de matagais
onde vivia outrora um casal de curupiras
onde o vento se tornava vendaval
e o bem apaixonado pelo mal
brincava de ciranda com cabeças de reis
que governaram n’outros tempos, outros ais...

Jonas R. Sanches
Imagem: Google

Meus Santíssimos Devaneios




Meus devaneios esdrúxulos
são orações aos Orixás
que guardam-me e curam
todas as mazelas de existir
e levam sob suas ondas
as impurezas para o mar
então eu saúdo a Grande Mãe
minha Sagrada Iemanjá
e das justiças da minha vida
eu clamo o amor de Pai Xangô
que com seu machado e sabedoria
quebra as demandas que alguém mandou;
sou eu aqui inda menino
engatinhando a minha fé
sou eu poeta em aprendizado
homenageando com carinho
os guardiões do meu caminho
Pai Oxóssi e Oxumaré
e quando à noite é lua cheia
vem Pai Ogum em seu Ginete
abençoar a minha lida
trazendo a vida sem permuta
tomando à frente em minha luta
e às vezes do céu vem tempestade
Mãe Iansã em tenra idade
clareia o céu relampejando
e eu aqui com minha pena
faço das letras meu emblema
durante o resto dos meus anos.

Jonas R. Sanches
Imagem: Superinteressante

Sobre as Benesses do Ano




Hoje é domingo derradeiro
e agradeço pelo ano inteiro
pois, o Senhor me abençoou
me trouxe paz e trouxe o amor

e desse amor veio a alegria
que há muito eu já não sentia,
agora de felicidade são meus dias
quando eu te vejo amanhecer

pois, tal qual sol você ilumina
minha labuta, a minha sina,
então eu sigo em poesia
então eu seguro em sua mão

e nossos caminhos que eram distantes
agora entrecruzados e enlaçados
nos versos serão eternizados
pois, o que eram dois agora é um...

Jonas R. Sanches
Imagem: Salvador Dalí

Eu Sou Eu Fui Eu Sou




Eu sou poeta
mas já fui escravo
da borboleta que bebeu o sol
eu sou caipira
mas já fui lamento
dos pirilampos loucos do arrebol
sou meio chucro
mas já fui o cravo
que em sua ira despedaçou a rosa
eu sou poema
mas já fui a tinta
que algum escriba escreveu na roda
eu sou melindre
mas já fui mendigo
naquela rua cheia de ladrilhos
eu sou insano
mas já fui profeta
apedrejado em sua bicicleta
já fui eu mesmo
mas ainda sou
e minhas letras são de puro amor
então eu mesmo sempre eu serei
não sou plebeu e muito menos rei.

Jonas R. Sanches
Imagem: David Lynch