quinta-feira, 31 de maio de 2012

O Fidalgo Lobisomem



Conheço aquele homem, dizem ser lobisomem,
despido de maldade, protetor da cidadela;
mas temido virou conto, na boca do narrador,
sofrido por sua dor, privado de sua donzela.

Dizem que em tempos de terreiro enluarado,
ao longe ouve-se o brado, uivado de apaixonado;
lembranças de um fidalgo, infeliz amaldiçoado,
trouxe nas veias sua herança, sua sina, o seu legado.

Dos tempos quando criança, eu ainda tenho as lembranças,
daquela feroz caçada, banindo o pobre moço;
por causa do alvoroço, em dia de uma festança,
tragédia de lua cheia, ceifando o licor das veias;
da filha do capitão, que olhando sem entender,
nem mesmo podendo crer, sua cria ali estendida;
pálida e desfalecida, entregue à morte no berço.

E as lágrimas deixadas em peito rechaçado,
alimentaram desejos de vingança, pela vida da criança;
e a prêmio estava a cabeça do dito lobo, em pele de homem bom,
coração mergulhado em sua sofreguidão, mas atos não são desfeitos;
e agora em sol a pino, somente aquela feição de menino,
banhado em sangue inocente, agora exilado, caçado e carente.

Pelas paragens os auspícios do capitão, em vigília por sete luas,
sangrando os sentimentos ainda  recentes, e o gosto da ira pairava seus lábios.
Pelos montes das redondezas espreitava pela vida o fidalgo,
sedento em lágrimas, corroído pela comiseração de sua maldição;
desfalecido pelo amor deixado para trás, sua razão, sua paz.

Oitava lua e o capitão seguia os rastros, andando junto aos seus capachos,
estava entre eles o seu tesouro, restante filho de cachos louros;
a contragosto de sua esposa, que ainda chorava sem mais palavras.
Em um descuido na noite a pino, não via mais o seu menino,
por entre as gretas surgiu o uivado, que lhe deixou apavorado;
o medo então lhe veio a tona, de outra desgraça, perder seu filho,
saiu trotando em disparate, foi quando viu entre a vegetação;
seu filho salvo ali no chão, pelo fidalgo em redenção,
que em sua força descomunal, domou a fera interior;
em atitude de puro amor, salvou a criança de morte certa.

Agora o olhar olho no olho, o lobisomem e o capitão,
entre os dois um choro abafado, e um pedido vem do menino:
-Papai vingança não é o certo, pois esse homem de futuro incerto,
salvou-me a vida neste momento, por minha irmã também lamento;
mas o mal traria somente a sombra, e o tempo urge pelo perdão,
atrás dos olhos enfurecidos, da besta fera agora indefesa;
existe um homem de natureza, arrependido tenho certeza,
da atrocidade que cometeu, perdoe ele papai querido;
dentro da fera está seu amigo, que tantas vezes foi destemido;
e ao seu lado lutou bravio.

O capitão esmorecido, pelo pedido então foi tocado,
e o lobisomem então partiu, sumindo rápido por entre as sombras.
Hoje isolado em meio a mata, protege a vila de todo mal,
dando a certeza que um nobre homem, ainda vive dentro daquele animal.


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: Google

Travessia dos Mistérios Esquecidos




Vou atravessar os limites da consciência
E riscar o céu em poesias e sacrilégios
Recolhendo os fragmentos dos planetas
Que estilhacei com meus karmas alegóricos

Vou saltar nessa imensidão hipotética
Procurando as asas que roubaram dos anjos caídos
E entre as ninfas enfeitiçadas lançarei quimeras
E seus sonos não serão mais de mil anos

Vou desobstruir os canais energéticos
E gritar meus chakras em dimensões espaciais
Correndo por entre as cósmicas maravilhas desconhecidas
Que abrangem todos meus sentidos e percepções

Vou descer aos porões proibidos do limbo
Para resgatar todas as almas das minhas vidas
E restituirei minha família de luz e espiritual
Sofreguidão não me arrebatará mais

Somente idas e vindas entre mundos e mundos
Estrelas apagadas se incendeiam com a vontade
Vou subir com elas em fusões nucleares
E brilharei no olhar todas as cores desse existir

Somente idas e vindas entre vidas e mortes
Extintos eus decrépitos destituindo Atlântidas afogadas
Sonhando os sonhos de infernos e céus
Morrendo e renascendo incessantes vezes

Vou esperar os outros milhares de espelhos
Derreterem-se novamente em areias brancas
Para refletir os versos alucinados de uma borboleta
Ou copiar em papel carbono os resquícios de eu mesmo

E um amanhecer mortificado ressuscitou da noite esquecida
Para eu poder colher as flores mortas desse fúnebre mistério


Jonas Rogerio Sanches 
Imagem: Ascensão de Salvador Dali

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Imagem Refletida




Imagens tão desgastantes
Nesse espelho de lagoas
Águas turvas delirantes
Entranhadas no seio da pedra

Imagens flácidas e enrugadas
Nesse espelho de ventos espirais
Dividindo em transversais todas as ondas
E os sentimentos que refletiram os suspiros

Imagens, espelhos, almas em observação
Dunas e miragens tão reais quanto aquele sol
E um regato em regaço a vida escondida nas profundezas
Desse rio inesgotável de revelações e peixes sorridentes

Imagens que propus em meus próprios reflexos
Distorcendo os espelhos dos sonhos mais secretos
A cadeira vazia e o leito desarrumado não importam
Descansei antes de renascer e beber todas as palavras

Um devaneio que se foi e deixou pegadas
Outro pássaro ouviu o pingar das lágrimas
A poesia é uma alma em torvelinhos renascidos
E eu sou o detentor da pena afogada em murmúrios azuis

Imagens, espelhos, corpos de almas mortas
E os desertos já floriram em superfícies transparentes

Imagens, espelhos, almas em corpos mortos
E os campos escassos se desertificaram em uma noite sem fim


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: multifloranet.com.br

Eu Aqui em Sensações




Epifanias de existência
Realizações intrínsecas diárias
Um resumo de sensações
Deixado em recipiente lacrado

E as abelhas em suas organizações
Formam a doce máfia do mel
Enquanto cupins em colônias reais
Devoram o tronco podre no quintal

E eu aqui com minhas sensações
Recordando os rádios que tocavam cantos de cigarra
Em fins de tarde primaveris e incandescentes
Onde os jardins prateados pela lua saúdam o crepúsculo

E os gafanhotos se alimentam até a morte
Voando em enxames e ceifando a colheita
Como os homens que ceifam a vida e a natureza
E mamam as gigantes tetas do planeta, sem medidas

E eu aqui com meus delírios matinais
Observando as pulgas sugando o sangue do mundo
Devastando em ganâncias o equilíbrio, hoje distante
Bebendo as árvores em taças que transbordam riquezas

Onde se esconderão os cães famintos no amanhecer?
Homens-cães devoradores de mundos
Queimarão em sol tórrido sem mais árvores a sombrear
Sufocarão em seus próprios sonhos aniquiladores

E eu aqui com minhas folhas do caderno,
enfático, zelando pelo organismo maior
que supri minhas vontades, meus sonhos;
e harmoniza minh’alma com a alma do mundo.


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: Google

terça-feira, 29 de maio de 2012

Asas de Cera




N’um sentido de feitiço ensandecido
Degolado em enclaves e veredictos
Decretados pelas leis da natureza
Segue a vida em relevo e infinito

Bestas gastas entre flechas de cupido
Derretidas em fornalhas e estrelas
Forjas toscas de primórdios esquecidos
Entre a vontade e os sonhos reprimidos

Encruzilhadas sem um lume de cegueiras
Emanações e sorrisos por entre os cedros
São minhas dúvidas entre gládios e soldados
Que foram pássaros matinais filhos de Dédalo

E as ideias desgastando as penas-ceras
Dentro de um sol irritadiço, olhar de Ícaro
Que chora as penas infringidas, jogado a Creta
Servindo aos devaneios do carcereiro e do asceta

N’um delírio de feitiço ensandecido
Depenando asas fadigadas sob a luz
Decretos ditos aos que vieram sem pensar
Experiência inadequada de voar

N’um delírio insensato de Ícaro
Transmutando desejos em quimeras
E o que foi dito não se escutou, pois foi escrito
E a teimosia reflete os flagelos dos mitos

E entre livros antigos salvos no incêndio de Alexandria
A última pena sagrada de um semideus


Jonas Rogerio Sanches
 Imagem: “Dédalo e Ícaro” de Andrea Sacchi

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cavalos em Devaneios Noturnos




São mil cavalos de aço, enfadonhos,
puxando as carroças do tempo tardio,
serenos disfarces de lobos-cordeiros,
que bebem seu sangue nas águas de um rio.

São cavalos cansados de brisa, sem galardões,
perdidos em hipismos descontentes, sem apostas;
sem destinos, perseguidos em desertos ofegantes,
entre as rédeas destrutivas dos comandantes.

São cavalos de lata e platina, mil cavalos,
sem arreios e correndo livres, pelas estrelas;
ou pelos sertões esquecidos no interior de um coração,
sedentos de verões, de novas paragens cósmicas.

São os cavalos em pensamentos, galopando em poesias,
em batalhas internas de um pasto improdutivo,
devaneios entre as crinas entorpecidas de um sultão,
são noites silenciosas entre os cavalos, somente o vazio.

Entrecortando madrugadas em relinches agonizantes...
Reverberando em gritos, os ecos dos gemidos...
Entre a lua recoberta em noite a pino e um sol envelhecido...
Guardando os anos, guardando os filhos dos filhos,
guardando os cavalos magros e árabes dos meus pensamentos...


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: Nikki Crane

sábado, 26 de maio de 2012

Deixarei Algumas Coisas




Deixarei toda poesia esvair-se de mim
E nas sarjetas enxurradas de palavras
Lavando os dicionários aposentados
Deixados na gaveta do criado mudo

Deixarei as luzes artificiais apagadas
E iluminarei as frestas com meu olhar
Sobrepondo sombras atrás de você
Quando as curvas do tempo se dissolverem

Deixarei os livros antigos em uma mercearia
E os comerciantes aprenderão os modos necessários
Enquanto os transeuntes continuam suas sendas
Em ruas paralelas cobertas de estórias e histórias

Deixarei algumas rosas no seu travesseiro
Enquanto você se banha ao luar de agosto
Os perfumes celestiais, eu roubarei em frascos
E derramarei gotas de orvalho no seu amanhã

Para que se refresque em lembranças vivas
E eu seja a marca inviolável no seu coração


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: Google

Descaso




Como descrever esse sentir que me aniquila
Entre a esperança de um olhar que resplandece
E a espera enfadonha do não chegar
Sombrios devaneios alterados aos momentos

Descritor de abandonos, sorrisos pálidos,
furtando todas as intenções de agradar;
mas o desvaler é pungente em noite vã,
e o sentir do poeta abandonado é ríspido.

Tantas lutas travadas em foices cegas
Decepando o brilho carregado n’um olhar calado
Que vê ao certo os valores desperdiçados
E chora trancado em seus próprios tormentos

Descritos entristecidos, sorriso morto,
cálidos prazeres de um porvir em descaso;
premeditado em sonhos proféticos,
ou em revelações astrológicas feitas pelos guardiões.

Relevo e tolero as desfeitas, pois o amanhã nem se foi,
hoje atracado à baixeza de um rancor indolente;
mas amanhã serei eu mesmo novamente,
seguindo os passos dessa senda vertiginosa.

E os estrondos das palavras ditas, serão os ecos do alheio,
serão lagrimas enegrecidas em aura amargurada;
mas as lições sempre corrigem a ira incerta,
e o saber solitário respinga gotas de amargura em versos.


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: Google

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A Turnê das Ilusões




Para escalar as montanhas das minhas ilusões
Levo vários balões de oxigênio, e descanso
Armando acampamento em um pulsar
Guardando sóis em sua monstruosidade

E depois do almoço eu vou morrer
Para nascer em uma supernova
E não pentearei mais meus cabelos
Ficarei descansando os pés em uma poltrona lilás

Cantarei no fim da tarde com todos os pássaros
E vou deixar uma resposta ao carteiro espacial
Que espera em um engarrafamento de cometas
Os vocábulos surdos de um bardo envelhecido

Ah! Se os tempos andassem de volta
Seguiria nessa roda gigante com asas coloridas
E deixaria todos os tapetes pendurados no quintal
Só para contar as pulgas e as linhas entrelaçadas

Enfim vou morar em uma caverna e me esconder do sol
Pois os tempos estão trancados nas ampulhetas
Onde desbotaram as areias coloridas do infinito
E o vento não passa mais trazendo as boas novas

Resta somente um trago alucinado de um moribundo vagabundo


Jonas Rogerio Sanches
Imagem: Google

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Gracejado de um Contador de Histórias


Foto: crato.org

Nas vacas mortas rentes a seca sertaneja
Onde explodem as favelas do sertão
Contrárias aos gemidos logo ao lado
Onde a água rega os afluentes em imensidão

Morte que rege os destinos dos heróis
Ríspido ao seu tempo de algoz sofrimento
Na seca ou na cheia ser adaptável
E o sobrevivente é o sol que assola e da à vida

Em meio os espinhos que desabrocham flores
Das cores tão delas que igual inexiste
Resquícios previstos em febre de aurora
Do choro contido em cores do dia que vai embora

E o homem burilando em devaneios
Provando manjares dos auspícios de Deus
Que afaga em delírios a forja do espírito
Fazendo amadurecer alma flor do sujeito

Trazendo a tona o pleito interior
Debates contínuos entre o ente e o ser
E o que resta é uma ingratidão recíproca
E o arrebol encerrando em tons alegóricos

E mais uma vez a chuva não chegou...
São dias de vacas magras e afogadas...


Jonas Rogerio Sanches

Nossos Momentos




Momentos recordados em silêncio
As flores coloridas pintadas de arrebol
A fonte refrescante de elixir da vida
E um arco-íris respingado da chuva e do sol

Momentos marcantes em meio à natureza
Pássaros canoros reis da alvorada
O galo me acordando em plena madrugada
E a estrela da manhã guardando o meu amor

Momentos preciosos nós passamos juntos
Enlaçados... Enamorados... Sentindo-nos vivos
Olhando a lua cheia enfeitando a varanda
Banhando em sua luz o perfumado manacá

Momentos que fazem parte dessa alegria
Olhar seus olhos doces no final do dia
Caminhar abraçado em ti junto à maresia
Molhando nossos pés nas espumas do mar

Momentos que você temia e eu te protegia
Das noites entrecortadas pelas trovoadas
O barulho das gotas embalando nossos beijos
Nossos corpos se aquecendo adentrando as madrugadas


Jonas Rogerio Sanches